“I know that you belong to me every night
You suddenly appear in my eyes
It happens when I sleep, it isn’t right
What I do in my dreams with you”
Steve Vai – “In my dreams with you”
De onde diabos apareceu essa mulher? Era como se ela soubesse exatamente o que dizer, o que pensar, o que fazer. Havia quilômetros entre nós, mas a sincronia era tanta que até irritava.
Tentei racionalizar o fato, e isso fez minha cabeça latejar de maneira violenta. Gemi, tentando não perder de vista as janelas piscando na tela do computador. Uma nova mensagem apareceu:
Beatrix diz: Não consigo parar de pensar em você... de ter certas idéias...
Era cada vez mais difícil resistir à tensão que surgia entre nós, embutida naquelas frases claras e perfeitas, equilibrada de maneira precária entre a espontaneidade e a premeditação. Meus dedos corriam pelo teclado sem precisar de comando, como se fossem uma extensão do meu subconsciente.
Marcos diz: Que tipo de idéias?
Não demorou nem 1 minuto, e outra resposta chegou:
Beatrix diz: Eu, você, seu perfume... e muitas más intenções...
Marcos diz: Você gosta de vinho?
Beatrix diz: Adoro!
Marcos diz: Então você terá sérios problemas com o meu perfume!
Beatrix: Por quê?
Marcos diz: Ele é inspirado em um vinho argentino. É suave, então você precisa chegar BEM perto pra sentir...
Beatrix diz: Não me provoque assim! Você não sabe do que eu sou capaz...
Minha imaginação começou a trabalhar com uma fúria louca, procurando entre as minhas fantasias latentes um arremedo de razão, algo que trouxesse um pouco de realidade para acalmar meu desejo.
Marcos diz: Você é tão perigosa assim? Qual a sua altura?
Belatrix diz: Um metro e sessenta e dois.
Marcos diz: Eu ia me sentir o próprio Gulliver perto de você: tenho um metro e noventa. Já estou até imaginando eu acordando amarrado numa cadeira com milhares de fiozinhos fininhos...
Belatrix diz: Cadeira, cordas, você... acho que estou tendo uma idéia bem melhor que a sua...
Marcos diz: Cadeira, cordas, você, seu perfume.... Poderia até adivinhar, mas prefiro que você me conte!
Belatrix diz: Você nunca ia adivinhar qual é o meu perfume... pouca gente conhece, menos gente ainda usa...
Senti meu coração dar golpes duros em meu peito quando uma imagem azulada formou-se em minha mente. A princípio apenas um borrão, como qualquer outra imagem subconsciente. Aos poucos, a cena foi ganhando
[foco. Uma sala escura sombras pretas alongando-se pelos cantos dos olhos dançando no ritmo pesado e denso da minha respiração uma cadeira no centro da sala ou será cozinha fria reflexo de luz bruxuleando na parede do meu lado esquerdo mas como eu sei que aqui é alto a luz não é da rua mas deixa um reflexo lindo quando passa pelo teu rosto e olhos que não vêem nada a não ser desejo deus não consigo me mexer e nem quero hipnotizado por teu cheiro doce porém não tão doce que se alastra e fixa em meus poros bailado tenso do teu corpo nu contra o meu pulso ardente por causa das cordas que me fixam imóvel admirando o brilho cinético do objeto metálico que cruza o ar nítido junto ao meu rosto cortante...]
Marcos diz: eu estou SENTINDO seu perfume... mas não sei o nome. Ele é doce, mas não tão doce... pelo menos não na sua pele!
Belatrix: Mas como é que você....? Hum, as pessoas realmente dizem que ele fica mais suave na minha pele....
Marcos diz: As paredes do seu apartamento por acaso são azuis?
Belatrix diz: ? Não! Brancas! Pelo menos de dia...
Marcos diz: Como assim?
Belatrix diz: Tenho um tipo de iluminação na sala que deixa tudo meio lilás à noite, por quê?
Marcos diz: ...tem um reflexo estranho na parede, parece reflexo de luz de carro? Mas não pode ser porque seu andar é alto...
Belatrix diz: Céus! ...tenho um cristal pendurado, entre a sala e a cozinha... sabe? É uma cozinha americana, aquela com balcão, integrada na sala. Conforme a luz entra ele...
Marcos diz: Pelo amor de Deus, qual é o nome do seu perfume?
Anotei o nome do perfume em um pedaço de papel, e desliguei de súbito o computador, ainda arfando de desejo e medo. As imagens continuavam a brilhar ácidas em minha mente, o cheiro parecia estar preso em meu rosto. Por que pareciam tão reais?
Corri até uma loja de perfumes e perguntei pelo nome que ela me deu. Claro que era o mesmo. Ele era mais forte no frasco, mais doce, mas era indiscutivelmente aquele. Passei o resto do dia tentando processar o que tinha acontecido, mas não havia lógica nenhuma. Tarde da noite, eu ainda rolava pela cama inquieto, com os neurônios pulsando a mil por hora. Por fim, o sono me alcançou.
...
Acordei com uma dor de cabeça pungente, a musculatura rígida em protesto. O mundo escuro à minha volta parecia lavado em tons de índigo e púrpura. Não consegui me mexer, eu estava amarrado em uma cadeira. E então senti aquele cheiro doce, mas não tão doce...
7 comentários:
Mais um fantástico texto!
Parabéns Paulo!
Muito bom!! Adorei!
Noossa. Este é REAL Hahaha.
bom conto, eu sabia que ia ser.
Beijo!
é... tenho sonhos e pensamentos tão reais... não sei nem como descrever. O ruim é que não lembro o rosto da pessoa, mas lembro as características como altura, cor do cabelo, roupa e voz. O desenho, o formato do seu rosto não consigo lembrar. Por mais q eu tente, parece real e ao mesmo tempo tão surreal... Adorei o texto. Bjs
Gostei e virei seguidora!
Parabéns!
Mônica
@monyllima
Pô, o nome do cara tinha que ser Marcos??!!
Belo conto!!
Incrível como a gente lê seus textos em um só fôlego, cada detalhe prende.
Muito interessante e bem escrito. E não duvido de que este tipo de ligação exista mesmo. Já fui capaz de sentir o perfume de alguém a distância. Uma amiga relatou a mesma coisa, com precisão de hora em que um pensou com intensidade no outro e o outro acordou ouvindo sua voz e sentindo seu perfume.
"Existem mais coisas entre o céu e a terra..."
Parabéns pela bela e sedutora escrita!
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