sábado, janeiro 09, 2010

Os Crimes do Zodíaco



"O destino não se satisfaz em infligir apenas uma calamidade."
Publilius Syrus

Áries
Descontrolada, berrava sem parar com ele. Onde já se viu usar a jarra de cristal para aguar as plantas? A peça quebrada, que estivera brilhando na mão dele, atingiu-a com força no rosto. Uma, duas, três vezes. Silêncio, afinal.

Touro
– Tem certeza que sabe usar o câmbio automático?
– Claro que sei! É óbvio! Tudo mundo sabe! Você não?
– Você não acha melhor pedir aj...
– Não precisa! Eu sei como faz! Quer ver?

Ela engatou a ré por engano e acelerou. Matou três pessoas.

Gêmeos
A textura da pele do pescoço dele sob seus dedos lembrava a seda, que lembrava o presente ousado que ganhara do aluno, que lembrava a sensação de fazer o que era proibido, que lembrava banho de sol nua, que lembrava liberdade, que lembrava que acabara de conquistar a sua. Largou o corpo flácido do marido no chão e foi viver.

Câncer
Quando ele a deixou, ela pensou em matá-lo. Mas não suportaria viver sem ele. Então, passou a matar todas as mulheres que se aproximavam demais.

Leão
O resultado do exame: câncer no estômago. Era tão orgulhoso, que não se deixaria matar por uma doença tão cruel. Pegou uma faca, amolou, e fez ele mesmo o serviço.

Virgem
Com movimentos seguros, removeu as duas pálpebras da mulher. Ajeitou os lábios dela, já rijos, para que arremedassem o sorriso tosco que entalhara em sua garganta. Acomodou os cabelos negros em leque e deixou um lírio sobre os seios nus. Parabenizou-se em silêncio: fizera um trabalho perfeito.

Libra
Era um marido muito dedicado. Antes de deitar, sua mulher confidenciara que o seu maior sonho era ganhar a cabeça de sua chefe em uma bandeja de prata. Quando ela acordou, olhos mortos a encaravam de cima da mesa.

Escorpião
Cento e cinqüenta corpos no salão de culto. Homens, mulheres, crianças e velhos, caídos uns sobre os outros. Do chão, uma gargalhada quebra o silêncio. O Pastor bebera suco ao invés de veneno.

Sagitário
O policial não tinha o direito de fazer isso com ele. Tudo bem que os pneus do carro estavam mesmo carecas, a licença estava mesmo vencida, e ele estava mesmo embriagado. Mas isso lá era motivo para ser tão rigoroso? Por isso, quando recebeu a prancheta para assinar o flagrante, enfiou a caneta no olho do policial e fugiu.

Capricórnio
Cuidou com afinco da tia avarenta durante seis anos. No dia seguinte à assinatura de um novo testamento, que beneficiava o sobrinho, um escorregão no piso molhado a fez rolar escada abaixo. Dessa vez, ele não a socorreu.

Aquário
Ele jurou que não contaria mais mentiras. O bilhete que ela encontrou mostrava que ele não cumprira com sua palavra. Então deu a ele um remédio para dormir e sumiu no mundo. Deixou para trás apenas a língua dele, pregada na porta. Agora, ele cumpriria a sua promessa na marra.

Peixes
Na saída do shopping, só encontrou o carro porque tinha muita gente em volta. Dois bombeiros removiam um pequenino volume pelo parabrisa quebrado: seu filho de um ano, esquecido lá dentro, morrera sufocado.

terça-feira, janeiro 05, 2010

Microcontos II

I.
Preguei uma peça no meu coração involuntário: um prego enorme. Preso na tua porta, ele parou de doer.

II.
Limpou a navalha no lençol do motel e beijou de novo os cabelos dela: a cada vez, fica mais difícil encontrar loiras de verdade...

III.
Entediada com a folha do caderno, rabiscou as paredes do apartamento. Quando o espaço acabou, pulou da janela e virou infinito.

IV.
"Bebeu até morrer!", concluiu o perito na cena do crime. "Cachaça?", perguntou o detetive. "Não. Groselha! Era diabético.”

V.
Arrancou, em fuga, com o carro. Um salto, baque surdo. Desceu pra ver. Era o seu passado. Deu marcha ré por cima. E partiu.

VI.
Enfarte do miocárdio, é o que dirão – pensou enquanto tombava. Ninguém saberá que seu coração explodiu mesmo de tristeza.

VII.
"Anjo é uma alma humana cujo primeiro suspiro coincidiu com o último". Ele fechou o livro e sorriu: seu filho fora convocado no céu!

VIII.
Pegou um dos cacos de seu coração partido e degolou a infeliz. Ela deveria saber que amor de psicopata é mortal.

IX.
"Fui!". Era tudo que estava escrito no bilhete do suicida. Ele nunca fora um homem de muitas palavras...

X.
Desfez o aviãozinho de papel que, vindo do outro lado da sala de aula, o acertara em cheio na cabeça. Reconheceu como seu o desenho interno. Um coração. Embaixo de onde escrevera “Toma, é teu!”, ela escreveu em letras miúdas: “Estou devolvendo. Não quero mais!”.

XI.
"Adivinha quem é?", disse, cobrindo os olhos dela. A resposta veio rápida e segura. A dúvida, também: quem diabos é Murilo?

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